quarta-feira, 8 de junho de 2016

Aqueles Olhos Amarelos

Pouquíssimas coisas destacam-se na escuridão total da noite, principalmente quando a luz natural, das estrelas e da lua, e também as luzes artificiais, estão obstruídas por alvenaria trabalhada pelo homem. Para que algo se destaque nessas condições é necessário que o mesmo possua luz própria, como o vaga-lume.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O CASO DA VARA

DAMIÃO fugiu do seminário às onze horas da manhã de uma sexta-feira de agosto. Não sei bem o ano, foi antes de 1850. Passados alguns minutos parou vexado; não contava com o efeito que produzia nos olhos da outra gente aquele seminarista que ia espantado, medroso, fugitivo. Desconhecia as ruas, andava e desandava, finalmente parou. Para onde iria? Para casa, não, lá estava o pai que o devolveria ao seminário, depois de um bom castigo. Não assentara no ponto de refúgio, porque a saída estava determinada para mais tarde; uma circunstância fortuita a apressou. Para onde iria? Lembrou-se do padrinho, João Carneiro, mas o padrinho era um moleirão sem vontade, que por si só não faria cousa útil.
Foi ele que o levou ao seminário e o apresentou ao reitor:
Trago-lhe o grande homem que há de ser, disse ele ao reitor.

A Aia

Era uma vez um rei, moço e valente, senhor de um reino abundante em cidades e searas, que partira a batalhar por terras distantes, deixando solitária e triste a sua rainha e um filhinho, que ainda vivia no seu berço, dentro das suas faixas.
A lua cheia que o vira marchar, levado no seu sonho de conquista e de fama, começava a minguar, quando um dos seus cavaleiros apareceu, com as armas rotas, negro do sangue seco e do pó dos caminhos, trazendo a amarga nova de uma batalha perdida e da morte do rei, trespassado por sete lanças entre a flor da sua nobreza, à beira de um grande rio.

O Grande Deus Pã (Quarta Parte)

4 – Descoberta na rua Paul
E Villiers foi embora pensando na história das caixinhas chinesas: Um trabalho curioso, de fato.
Uns meses depois do encontro de Villiers e Herbert, senhor Clarke estava, como habitualmente, sentado na sala, após jantar, e se esforçava pra não ir à escrivaninha. Conseguira se manter afastado das Memórias durante mais duma semana, até porque pensava agora conseguir uma reforma total. Apesar das tentativas não conseguia silenciar a curiosidade pelo último caso relatado em seu registro. O expusera, guarnecido por suas próprias conjeturas, ou melhor, o esboçara a um de seus amigos, um homem de ciência, que sacudira a cabeça achando que Clarke era, na verdade, excêntrico. Nessa noite Clarke se esforçava pra racionalizar a história, quando uma pancada na porta o arrancou da meditação.

sábado, 19 de julho de 2014

O Grande Deus Pã (Terceira Parte)

3 – A cidade da ressurreição

— Herbert! Meu-deus! Será possível?
— Na verdade, meu nome é Herbert. Também me parece que te conheço mas não me lembro de teu nome. Tenho, mesmo, uma memória esquisita.
— Não te lembras de Villiers?, de Wadham.
— É verdade! Pois é! Peço imensa desculpa, Villiers. Nunca me ocorreria pedir esmola a um camarada de colégio. Boa noite.

sábado, 12 de julho de 2014

O chamado de Cthulhu (1926) - H. P. Lovecraft (Terceira Parte)

III. A LOUCURA QUE VEIO DO MAR
Se aprouver aos céus conceder-me algum dia uma bênção, pedirei que seja o esquecimento total dos resultados do mero acaso que fixou meus olhos num certo pedaço perdido de papel que forrava uma prateleira. Não era algo com que eu normalmente tropeçaria no curso da minha rotina diária, pois tratava-se de um número de um jornal australiano, o Sydney Bulletin, de 18 de abril de 1925.

sábado, 5 de julho de 2014

O Grande Deus Pã (Segunda Parte)

2 – Memórias de senhor Clarke

Senhor Clarke, o cavalheiro escolhido por doutor Raymond pra assistir à estranha experiência do grande Pã, conjugava em si, de forma bizarra, a prudência e a curiosidade. Friamente julgava o insólito e o excêntrico com total aversão. Mas no âmago do coração germinava um desejo quase inquisitorial de conhecer os mais esotéricos segredos da natureza e do homem. Era esse segundo aspecto que prevalecera no caso de doutor Raymond, pois, mesmo achando que a razão pusera, irremediavelmente, de parte tais sistemas, os arrumando na prateleira da loucura selvagem, ainda conservava, em segredo, certa fé no fantástico, que gostaria de ver confirmado. O horror que presenciara no laboratório não deixara de ser, dalguma forma, salutar. Consciente de sua parte de responsabilidade num assunto pra todo efeito pouco recomendável, deixou de lado, durante muitos anos, de pesquisas ocultas, pra se dedicar inteiramente às verdades do bom-senso. Por questão de homeopatia, verdade seja dita, não deixou de frequentar, durante algum tempo, sessões mediúnicas, na esperança de que os truques dalguns desses cavalheiros lhe provocassem a tão desejada repugnância a tudo quanto dissesse respeito a misticismo. Mas o remédio foi inútil. Clarke sentia continuar vibrando perante o desconhecido e, pouco a pouco, a velha paixão recomeçou a se afirmar, à medida que a imagem de Mary e de seus horrores se apagava da memória.