sábado, 11 de janeiro de 2014

O Amante de Josefa


Josefa é casada com o homem mais rico da cidade, Seu João Fagundes, o dono da tecelagem. Vive uma vida de rainha, mandando e desmandando na política, na tecelagem, em casa, na casa dos vizinhos, no mercado, na igreja, na ferrovia, na Santa Casa de Misericórdia e onde mais desejar. Seu temperamento quente demite e readmite empregados, tanto na casa quanto na tecelagem, por motivos às vezes mínimos e banais, ou por mal entendidos e caprichos próprios. É uma mulher difícil de lidar, o que torna frequentes as viagens a negócio que Seu João Fagundes faz. E, apesar de não amar seu marido, quando este se ausenta é que Josefa se sente só e piora seus tratos com os empregados descontando neles as dores de sua solidão.


Já se conta um mês da viagem de Seu João Fagundes e Josefa se encontrava lascívia, louca de desejo por um homem. Era uma belíssima e jovem mulher com seus vinte anos de idade, o que fazia dela muito desejável. Mas a sua famigerada índole escondia a sua beleza, e não havia homem algum na cidade que tivesse coragem suficiente para trocar uma vida sossegada por uma noite de prazer com aquela mulher. Tentava seduzir os empregados para satisfazerem suas vontades carnais, mas estes sabiam que aquilo era um convite para uma sentença de morte. Então Josefa se arrumava toda, se perfumava e ia à feira de onde voltava sem atenção alguma. Ia ao teatro e os assentos adjacentes ao seu nunca eram ocupados. Ia à missa e a cerimônia era cancelada. E mais ainda odiava as pessoas e mais os empregados sofriam a sua ira.

Chegou ao ponto de demitir todos os empregados da casa e passou a viver sozinha. A casa onde morava era demasiada grande para que sozinha a pudesse manter limpa e organizada. Portanto só se importava com a limpeza da sala de jantar, da biblioteca e do seu quarto. E na biblioteca era onde passava a maior parte do dia, lendo seus livros eróticos enquanto se deliciava em gargalhadas com aquelas palavras libertinas. Sua leitura foi interrompida pelo som da campainha. Josefa se manteve em silêncio a espera que a pessoa fosse embora. Mas a campainha insistiu uma vez, outra e outra mais, até que Josefa, vencida pela impaciência, se dirigiu à porta para atender aquela pessoa que a incomodava.

– Boa noite, desculpe-me o incômodo, eu procuro a dona Josefa, ela se encontra?

Era um jovem e robusto rapaz, aparentava ter a mesma idade de Josefa, trajava uns trapos sujos, seus cabelos estavam emaranhados, a barba desajeitada, e um odor exalava do corpo dele.

– Sim, sou eu. O que quer?
– É que eu cheguei hoje na cidade e gostaria que me arranjasse um emprego na tecelagem, eu não sei a profissão, mas garanto que aprendo rápido se a senhora me der a oportunidade. Mas eu só posso trabalhar no turno da noite.

Josefa foi tomada de um súbito calor. Porém naquele estado em que se encontrava o rapaz não podia aceitá-lo em sua cama. Pouco lhe interessou o motivo de o rapaz preferir trabalhar a noite. Ficou curiosa em ver aquele corpo limpo, os cabelos cortados e a barba aparada e o convidou a entrar:

– Não tem lugar para você na tecelagem, mas preciso de alguém para me ajudar em casa. Amanhã você começa o seu trabalho, mas antes precisa de um banho e um trato na sua aparência. Entre e vamos dar um jeito nisso.

O rapaz hesitou por uns instantes, mas acabou cedendo ao convite. Josefa preparou a banheira e lhe entregou uma toalha e roupas limpas. Enquanto o rapaz se banhava, Josefa foi ao seu quarto e se vestiu num vestido justo, se perfumou, penteou seus cabelos e ficou a espera. Quando o jovem rapaz saiu do banheiro se mostrou um belo homem agora com seus cabelos limpos e penteados, a barba aparada e o corpo perfumado. Josefa não pôde controlar o seu desejo, logo o agarrou e, aos beijos, foi levando-o para a cama. Ali tiveram uma noite de prazer como Josefa jamais teve com Seu João Fagundes. Seus corpos se entrelaçaram durante quase toda a noite num intenso calor. A certa hora da madrugada o rapaz se levantou como num susto, se vestiu e às pressas se pôs a sair do quarto como numa fuga.

– Espere, o que foi?
– Eu preciso ir, tenho que resolver uns assuntos.
– A essa hora? E ainda não me disse o seu nome.
– Eu me chamo Humberto.

E saiu pela porta de entrada da sala sem que Josefa o pudesse alcançar. E Josefa agora só pensava em Humberto e se ele voltaria à sua casa. Resolveu esperá-lo até a noite dominada pela ansiedade a vigia dos ponteiros do relógio que insistiam com uma lenta volta a realizarem o seu trabalho.

Quando enfim a noite caiu, Josefa já estava perfumada a espera, sentada no sofá da sala, pelo homem com quem passara a noite anterior. O relógio marcava sete horas com suas retumbantes badaladas avisando a todos os cantos da casa sobre a chegada da noite. E Josefa esperou por mais um tempo a chegada de Humberto. Neste momento os ponteiros do relógio se punham a trabalhar apressadamente, ao contrário do ocorrido durante o dia. Já marcavam no relógio a hora de número dez e Josefa impaciente abriu uma garrafa de vinho. Ali mesmo na sala bebeu e as horas passaram. Os ponteiros girando mais rápido e a sua cabeça acompanhando o movimento numa tontura que a jogou ao chão. Acordou com as badaladas do relógio quando este marcou meia-noite, e um som estridente veio interromper aquele padrão desfazendo a harmonia. Era a campainha avisando a chegada de seu amante. Rapidamente Josefa se pôs de pé e abriu a porta. Humberto logo entrou puxado pelos braços de sua amada e ali mesmo na sala se submeteram ao pecado. Tão embriagada estava que não percebeu quando Humberto se foi. O relógio agora marcava oito horas da manhã com suas badaladas martelando a cabeça de Josefa. Chegou a pensar que tudo tivesse sido um sonho. Mas o paletó caído no chão confessava o amor desperdiçado durante a noite embriagada.

Passou o dia sem comer e com a cabeça latejando. Nunca tivera bebido tanto e agora sofria com uma intensa ressaca. Esforçou-se para tomar um banho e se recompor, mas o corpo ainda continuou fraco. E quando a noite Humberto veio, ela o deixou possuir seu corpo e as poucas forças que tinha se extinguiram. Ao acordar se sentiu mais exausta, mas a cabeça já não mais doía. Seu João Fagundes persistiu com suas viagens por mais três meses e nesse tempo a paixão noturna que Josefa vivia com Humberto continuou. Já os empregados da tecelagem sabiam do caso da patroa e na cidade corria o boato de que Josefa dormia com um amante todas as noites. Mas ninguém ousava impedir ou mesmo contestar aquele amor. E em todas as noites Humberto fazia uma visita à Josefa e antes de amanhecer o dia, fugia da cama daquela mulher. Josefa nunca soube dos verdadeiros motivos, mas suspeitava de vários. Talvez ele tivesse uma família, talvez fugisse dos olhares recriminatórios das pessoas da cidade. Isso não importava a ela. Somente aqueles momentos em que passavam juntos à noite é que ela dava importância. E como todos os bons momentos de felicidade proibida têm o seu fim, chegou a carta que noticiava a volta do marido.

– Olha Humberto, precisamos conversar.
– Diga.
– Hoje pela manhã chegou uma carta de meu marido, ele estará de volta dentro de dois dias.
– E o que você pretende fazer?
– Eu não quero te perder, mas não vamos po-der nos encontrar aqui como sempre.
– Pois sua casa é o único lugar onde podemos nos encontrar.
– Arranjamos outro lugar.
– Não há outro lugar.
– Por acaso está querendo terminar tudo?
– Se você me ama, deve deixar o seu marido.
– Ele não me deixaria, é o homem mais rico da região, compraria qualquer um para nos matar.
– Então nós o matamos primeiro.

Josefa por um momento cogitou a ideia e a saboreou um pouco enquanto ainda estava fresca em seu pensamento.

– Você está louco, aqui nessa cidade se cumpre as leis. Com certeza nos prenderiam.
– Não se fizer parecer que foi um acidente.
– Como pretende?
– Eu tenho um plano. Leve ele para a tecelagem e o mantenha lá dentro. Faça isso na primeira noite do dia que ele regressar.

E assim fez Josefa quando Seu João Fagundes retornou de sua longa viajem. Não parecia ter sentido a falta da esposa e passou quase todo o dia cuidando dos negócios na tecelagem. No fim da tarde Josefa foi ao encontro do marido no seu escritório. Propôs fazer amor com ele, mas não quis:

– Aqui neste escritório não, está maluca?
– É que senti muito a sua falta, não há pro-blema algum, os empregados já se foram.
– E também me vou eu. Aqui é um lugar de trabalho, não um bordel.
– Mas eu sou sua mulher!
– Cala a boca e vamos já para casa!

E enquanto Seu João Fagundes puxava a mulher pelo braço para fora do escritório, Josefa o empurrou contra a parede com toda a força. O homem bateu com a cabeça e caiu inconsciente. Josefa saiu do escritório e encontrou Humberto na tecelagem.

– Onde ele está?
– Desmaiado no escritório.
– Perfeito! Vá para casa, quando terminar eu te encontrarei.

Josefa foi para casa e esperou alguns instantes. Logo chegou Humberto e juntos comemoraram com champagne e uma noite de prazer. Antes do amanhecer novamente Humberto deixou Josefa. Dessa vez ela não pôde aturar, cooperara com a morte do marido para poder ficar com o amante e este novamente se põe em fuga. Vestiu um roupão e foi seguir o seu amado. Viu que ele ia pela rua ao lado da linha do trem. Ao passar pela tecelagem pôde ver os escombros ainda em chamas do prédio desabando. O povo curioso tentava pará-la em busca de respostas, mas ela se esquivava. Humberto subiu uma ladeira apressadamente e com muito esforço Josefa pôde o acompanhar de longe. Entrou no cemitério da igreja e Josefa por um instante hesitou. Depois de um momento conseguiu reunir coragem e entrou também. Não o via em lugar algum. Somente lápides e muitas cruzes brancas e pretas. Josefa se sentiu indisposta e com enjoo. Pôs a mão na barriga onde se fazia perceptível uma pequena protuberância. Caiu de joelhos e vomitou. Ali na sua frente pôde ver uma cova escavada e dentro dela havia um corpo. Aproximou-se para olhar o cadáver foi tomada por um susto que lhe fez escapar as palavras:

– Eu estou grávida de um homem morto!


André de Sá

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