segunda-feira, 23 de junho de 2014

Pecado

Pecado mesmo seria Deus permitir que eu morresse de fome. Quem rouba para comer não tem dívida com ninguém. A sociedade sim é que nos deve. Amparo, auxílio, um emprego e salário justo. Mas em vez disso nos acusam de vadios e bandidos. Quisera eu ver esses ricaços, de papada dependurada, barriga estufada e rosto corado, uma vez perder suas posses e a comida no armário, tendo que se virar nas ruas em busca de alimento e abrigo, enquanto o corpo é rasgado pelo vento gelado.

Se de bandido me chamam, então bandido prefiro ser, do que de fome morrer ou de frio, sem falar dos moleques e seus isqueiros, que com a gasolina nos banham e o fogo ateiam, não sei se para nos ajudar com o frio, ou livrar a via pública do nosso pútrido cheiro. Fato é que somos o lixo e a escória, sem espaço na sociedade, dejetos reservados ao lixão social. Porém nesse lixão não há catadores, ou recicladores oportunos, que nos apanhasse e nos colocasse de volta em uso, com uma função distinta da habituada, daquela que tínhamos enquanto úteis, nessa sociedade que nos abandona.

Em vez disso uma senhora, com sua bíblia nas mãos, reservava sua voz para a palavra de Deus. Dizia que de mim Ele se apiedaria, se em todos os instantes para Ele vivesse, se todos os meus gestos e palavras a Ele fossem dispostos, e aos céus agradecesse a minha vida, mesmo que miserável, pois muitos possuem muito menos, e d'Ele é que a vida vem. Disse à senhora "muito obrigado", mas que de palavras sem sentido não preciso. A fome se sacia com comida, e esta se compra com dinheiro. Se por acaso com Deus conversasse, da manhã até a noite, além de bandido e vadio, também me confundiriam com um louco.

Seus olhos censurantes me fitaram de todo, e de frustração se fez seu semblante. Me disse que meu destino era o inferno, porque levava uma vida de pecados. Então à ela eu disse, que no inferno já me encontro. E que pecado mesmo, seria Deus permitir que eu morresse de fome.

André de Sá

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